Tarde fria de um inverno que está só começando, e parece querer
mostrar a que veio.
Acende outro cigarro, que a tempos portava entre os dedos, e
fuma-o mantendo o braço esticado para fora do carro, estratégia para diminuir o
odor interno e evitar discussões.
Espera o farol que não se apressa em abrir, acompanhando o
movimento da fumaça, ora solta pelo canto esquerdo, devagarinho, com a boca
torta e sem pressa, ora baforando para o alto, ritimadamente. Quantas caretas
por um “bom cigarro”. Repentinamente vê a esposa aos berros amassando com fúria
o maço escondido que encontrara. Despertado por sorte pelas buzinas que ouvem atrás de si, joga
fora o cigarro, correndo, sacudindo a cabeça para se livrar da lembrança!
Lentamente se movem os carros nas quatro fileiras, alternadamente,
e aquelas motocicletas infernais buzinando loucamente, aparecem por todos os
lados. Uma, duas, cinco, quantas! Parece uma invasão, o mundo todo tomado. À
direita, à esquerda, à frente, atrás, "se deixar sobem em cima"! Sente-se ansioso. Encosta a cabeça
no banco de couro, tenta relaxar. “Pelo menos o carro é automático”! Sorri feliz
com a recente escolha. A que preço? Não é o momento de pensar em dinheiro. “Melhor
pensar em outra coisa”.
Ouve um barulho forte enquanto o carro sacode um pouco. Ouve
o som de algo batendo no chão. É seu espelho esquerdo, arrancado por um dos
tantos motoqueiros que passam espremidos entre os carros. Claro que não irá
parar, nem pedir desculpas. Pagar o prejuízo? Milagres não mais acontecem,
pensa. Suspira profundamente, sentindo um aperto no coração! "Tempos difíceis"!
Sem elucubrar, abre a porta, sai do carro afastando-se um
metro e pega no chão o espelho que está com um dos cantos esfacelado. É meu! Olhando em volta, percebe que o motorista
ao lado fica parado, sem gestos, sem sorriso, olhando para o chão enquanto
andam os carros à sua frente. Acompanha o olhar do vizinho, é o suporte do seu espelho
caído cerca de dois metros, intacto.
Deixando a porta aberta para segurar o trânsito atrás de si,
desce novamente, caminha até a peça plástica, apanha-a sem verificar seu
estado, caminha de volta, e acena para os outros carros, agradecendo num gesto,
por terem esperado com paciência. Percebe ainda que sua caneta caíra do bolso neste
movimento, contorna seu corpo magro, abaixa-se novamente para pegá-la, presente
de aniversário. "Mais cara que o espelho".
Coloca tudo que é seu no colo, sentindo-se feliz pelas “aquisições”.
Percebe agora o risco que correra. Havia parado por instantes duas pistas da movimentada avenida, sem ouvir nenhuma buzina ou palavrão por isso. Não passara nenhuma moto. Absoluto silêncio. O mundo parara para atendê-lo. "Que gente amável"! Espera que tenham entendido a gratidão expressão por seu braço estendido.
Percebe agora o risco que correra. Havia parado por instantes duas pistas da movimentada avenida, sem ouvir nenhuma buzina ou palavrão por isso. Não passara nenhuma moto. Absoluto silêncio. O mundo parara para atendê-lo. "Que gente amável"! Espera que tenham entendido a gratidão expressão por seu braço estendido.
Liga o carro e todos saem acompanhando-o como num cortejo,
que poderia ver se tivesse o espelho.