Felizes leitores do Blog Feliz da Vida! Este conto
retrata o pensamento feminino face ao medo da doença e da morte.
O Veredito
Estava na idade onde o indicado é não mais engravidar. Sendo
assim, não lhe seria necessário mais ter o útero.
Porém, sentiu uma certa tristeza quando o médico anunciou o veredito:
-- Vamos histerectomizar!
De onde veio o sentimento de perda? Iria dispensar um órgão desnecessário para seu “projeto de vida e idade” de acordo com o Dr.Alexandre, médico com cara de vovô. E carinho idem.
Talvez pela cultura do papel da mulher, ser mãe. Não, já estava satisfeita neste quesito.
Talvez o medo da anestesia geral, ou do processo cirúrgico, ou da recuperação.
Bem mais calma meia hora depois de terminar a dolorida consulta, pensou que não é a perda do órgão que a assusta, é o medo à doença. Ou ainda, da perda de saúde, bem por demais precioso para alguém com sua vitalidade e compromissos.
Pensou na sua família, pensou no seu trabalho, pensou nos seus alunos. Pensou nos seus animais. Pensou nas suas plantas, no jardim.
Os exames femininos são por demais invasivos. “Culpa do modelo” segundo o médico.
-- Nossa barriga deveria vir com um zíper, facilitaria um bocado. Disse ela, para sorriso de ambos.
Como alguém consegue sorrir numa posição daquelas? E com aquela dor? Humor negro!
Não entende porque chamam de negro este tipo de humor. Preconceito?
Tinha uma amiga negra que se indignava com a cor do humor, do carro funerário ser preto, e outras coisas do tipo. Ela se mudou para Minas Gerais, e não deve saber que agora eles são brancos.
Branca e pálida foi sua cor diante da notícia inesperada. Precisava tomar ar.
O dia seguinte
Simultaneamente ao exame, o inverno deu suas caras na
segunda-feira.
Esforçou-se para não pensar no assunto. Mas o seu útero insistia em pensar por ela.
Não conseguia sentir alegria.
Apenas um dia insosso.
Sem maiores sentimentos.
Frieza, na maior parte do tempo, como tentativa de espantar o pensamento.
Bicho insistente é o pensar. Tem vida própria.
Semana fria!
O cardiologista
E os dias vão e vem, passa a emoção inicial.
Algumas amigas e alunas em
apoio lembraram-na que pelo seu “perfil” irá "tirar de
letra". Alentadoras palavras.
Como pré-operatório, é preciso identificar os riscos
da anestesia geral.
A visita ao cardiologista, foi bem feliz.
Foi a primeira vez nos últimos meses que um médico não lhe pede um
monte de exames duvidando da sua boa saúde. "Pode operar, não corre risco
cardiológico." Alívio! Agora quer que chegue logo este dia, para
acabar de vez com a espera.
O "Dr.Vovô" alertou que os cardiologistas
tem mania de pedir diversos exames, assim perderiam tempo precioso nesse
processo. Que nada. Apenas os eletrodos em pontos espalhados pelo peito, pulsos
e tornozelos. Aquele papelote verde com muitos riscos. Eletrocardiograma.
Gráfico do meu tum-tum-tum. Pensou.
Cada tum, um risco. Sobe, desce, desce, desce,
desce..ops..sobe, sobe, desce, sobe. "Bate coração. Oh! tum. Coração pode
bater er er".
Será que o gráfico registra saudade? Suspira
profundamente!
Terminou mais rápido do que planejara, sobrando tempo para a
maravilha das mulheres, principalmente numa segunda-feira: salão de
beleza.
Perderei o útero, não a vaidade. Sentenciou solenemente!
Lavagem, corte, escova, buço, sobrancelha, mão. A
estima lá em cima.
Esse lugar é sagrado! Ri-se satisfeita com a magia.
O sorvete completa a alegria da tarde de baixa
temperatura.
No peito, a canção lhe aquece: "e se
quiser saber pra onde eu vou...pra onde tenha sol..é pra lá que eu vou!
Contando a
notícia
Sua afilhada olhou-a com compaixão diante da
notícia: “a senhora, madrinha?” Sua irmã compara seus miomas, e seus
colegas de trabalho lhe desejaram sorte, para poder voltar logo.
Mas sua mãe se preocupou muito, e falou num tom nervoso e
mais alto que o seu normal “Não opera”!
Justificou seu medo com argumentos diversos, das amigas que
tiveram recuperação parcial e lenta, dos efeitos colaterais, de sua idade,
entre outros.
Ela que já estava acostumada com a ideia, ganhou novas
preocupações. O pavor da sua mãe despertou-lhe algumas inseguranças e
levou-a a procurar mais informações sobre o assunto. Pós, contras, riscos
e resultados da cirurgia.
Impressionante como as mães tem tanta preocupação com o bem estar
dos seus rebentos.
No dia seguinte sua mãe a presenteou com um “chinelo de
hospital”. Daqueles fofinhos usados pelas vovós e mamães recentes. Talvez
queira que por meio do chinelo ela sinta sua presença consigo. Vai
funcionar.
Meu lado criança agradece a santa proteção. Assim seja! Respira, aliviada!
Mais exames?
Sua remuneração já fora prejudicada com tantas horas ausentes. Parece até que mudou o expediente para a tarde. Quantos exames é preciso para constatar a saúde ou a patologia?
Em quantas partes se divide o corpo que pode ser
observado fragmentado. Cor, textura¸ consistência, tamanho, metabolismo,
densidade, cor, dos ossos, membros, órgãos, músculos, células, tecidos,
articulações...como somos grandes! Que perfeita a máquina que nos foi
emprestada!
Os “mecanismos” todos se conectam, encaixam-se numa
sincronia perfeita. Tudo no seu lugar e com um propósito específico.
Os ossos sustentam o corpo, apoiam os músculos e
protegem órgãos internos. O coração é responsável pelo bombeamento do
sangue. O sistema linfático drena o excesso de líquido para manter o equilíbrio
dos fluidos no corpo, transporta as vitaminas e lipídeos, absorvidos durante o
processo de digestão até o sangue, para que este transporte os nutrientes e
outras substâncias pelo corpo. No sistema nervoso central ocorrem nossos
pensamentos, emoções, memórias e estímulo sensitivo. Através dos impulsos
elétricos que ocorrem entre seus bilhões de neurônios, conecta todas as partes
de nosso corpo.
Sistema nervoso, linfático, esquelético,
respiratório, circulatório, etc. A união de todos os sistemas formam o nosso
organismo.
Refletiu entusiasmada, que maravilha! Só me resta
cuidar da máquina e regular as engrenagens em desalinho.
Exames de urina, glicose, hemograma, coagulograma,
ultrasons, eletrocardiograma, raios x diversos.
Se perguntou porque raio x de tórax para cirurgia no
sistema reprodutor? Vai descobrir. É curiosa.
Raio
X de tórax
Porque raio x de tórax para cirurgia no sistema reprodutor?
Descobriu:
Para verificar a possibilidade do paciente apresentar
quadro de pneumonia, doença impeditiva à cirurgia devido a necessidade de
anestesia.
A vida é feita de detalhes
O taxista de cabelos brancos dizia ao celular que enviou o
currículo por email. Sua mãe, nos altos dos 70 e poucos anos, manda procurar
tudo na internet. Lá comprou os ingressos para levar 8 sobrinhos ao Playcenter
no sábado passado. Nela marca os exames médicos e lança as notas de provas
dos “bons e maus” alunos. Pela internet os jovens marcam encontros e os
ativistas os seus protestos. E por meio dela trabalha remotamente quando
impedida de ir ao escritório do cliente.
Sua atual empreitada “interneutica” foi sugerida pela
sua mãe, que quer que ela desista da cirurgia. Pesquisou alguns sites voltados
às informações femininas, reprodutivas e de medicina e saúde.
Sempre se utiliza dos fóruns de tecnologia para
entender assuntos cuja técnica não domina, ou para tirar dúvidas quanto a
procedimentos que deseja usar para solução de conflitos ligados à TI. Desta
vez, encontrou um fórum de mulheres que fizeram ou farão a histerectomia
trocando informações, dúvidas, medos e esperanças no pré e pós-operatório.
Alguns depoimentos assustaram-na sugerindo prazo de
recuperação três vezes maior que o informado pelo seu médico, outras citam as
dores e desconforto do pós-operatório. Lá vai ela tremer de novo na base!
Porém, na maior parte dos casos, as mulheres contam
que a cirurgia foi benéfica, os resultados positivos, e a recuperação boa, se
seguidos todos os procedimentos indicados para o “resguardo”. Dois meses sem
subir escadas? Como? Nos seus dois empregos precisará subi-las. Espera que as
mulheres estejam exagerando, ou que seu organismo, contrário ao delas tenha uma
recuperação excepcional. Morando num sobrado, não contava com este estorvo!
Dá tempo de demolir a escada que leva à suite? Ou de
mudar de casa? Tanta coisa para se preocupar!
Suspira demoradamente. A vida é feita de detalhes.
Porém, sentiu uma certa tristeza quando o médico anunciou o veredito:
-- Vamos histerectomizar!
De onde veio o sentimento de perda? Iria dispensar um órgão desnecessário para seu “projeto de vida e idade” de acordo com o Dr.Alexandre, médico com cara de vovô. E carinho idem.
Talvez pela cultura do papel da mulher, ser mãe. Não, já estava satisfeita neste quesito.
Talvez o medo da anestesia geral, ou do processo cirúrgico, ou da recuperação.
Bem mais calma meia hora depois de terminar a dolorida consulta, pensou que não é a perda do órgão que a assusta, é o medo à doença. Ou ainda, da perda de saúde, bem por demais precioso para alguém com sua vitalidade e compromissos.
Pensou na sua família, pensou no seu trabalho, pensou nos seus alunos. Pensou nos seus animais. Pensou nas suas plantas, no jardim.
Os exames femininos são por demais invasivos. “Culpa do modelo” segundo o médico.
-- Nossa barriga deveria vir com um zíper, facilitaria um bocado. Disse ela, para sorriso de ambos.
Como alguém consegue sorrir numa posição daquelas? E com aquela dor? Humor negro!
Não entende porque chamam de negro este tipo de humor. Preconceito?
Tinha uma amiga negra que se indignava com a cor do humor, do carro funerário ser preto, e outras coisas do tipo. Ela se mudou para Minas Gerais, e não deve saber que agora eles são brancos.
Branca e pálida foi sua cor diante da notícia inesperada. Precisava tomar ar.
O dia seguinte
Esforçou-se para não pensar no assunto. Mas o seu útero insistia em pensar por ela.
Não conseguia sentir alegria.
Apenas um dia insosso.
Sem maiores sentimentos.
Frieza, na maior parte do tempo, como tentativa de espantar o pensamento.
Bicho insistente é o pensar. Tem vida própria.
Semana fria!
Gráfico do meu tum-tum-tum. Pensou.
Perderei o útero, não a vaidade. Sentenciou solenemente!
Esse lugar é sagrado! Ri-se satisfeita com a magia.
Meu lado criança agradece a santa proteção. Assim seja! Respira, aliviada!
Sua remuneração já fora prejudicada com tantas horas ausentes. Parece até que mudou o expediente para a tarde. Quantos exames é preciso para constatar a saúde ou a patologia?
A vida é feita de detalhes
O TEMPO CONTINUA PASSANDO...
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