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quarta-feira, 14 de outubro de 2015

A vida começa aos sessenta, e as contas?


1996... Estampado na placa de metal disposta milimetricamente acima da soleira da porta, mais que enfeite para o seu escritório, a retratação de sua importância na ocasião... “para isso servem os prêmios”.

Impulsionando o corpo leva a cadeira para frente, aproximando-se da entrada e da placa onde se pode ler seu nome, e para trás, distanciando-se... “Faz tanto tempo!”

-- “O que importa é viver o agora”.

Nem sempre pensou assim, mas agora, amadurecida, não lhe é possível esquecer as atribuições do hoje. Os papéis sobre a mesa a conduzem, embora sem pretensão, a refletir sobre o seu cotidiano:

A última edição daquela revista! Teve que cancelar a renovação da assinatura depois de tantos anos. Não era tão cara, mas era mais uma dentre várias. “Tudo bem, não era importante”, justifica-se. Servia apenas para distração e atualização, “nem estou mais lecionando!”

No bilhete, seu  neto pede novamente um par de tênis: “Um por mês? Tem pés de faca!".Imagina que se não tivesse internet, teria de vaguear por lojas com o fedelho, escolher, experimentar, desistir, recomeçar. Gastaria mais e muito mais tempo também. “Pelo menos está mais fácil fazer suas vontades”.

Pega o extrato de sua conta em cima de umas revistas velhas. Confere a cobrança da taxa de serviço. Paga para guardar o dinheiro que é seu. “Não deveria o banco me pagar um percentual para eu movimentar meu dinheiro nele? Eu que pago!” Pensa que o banco lhe deveria retribuir, mas não, cobra cada vez mais taxas, e abusivas: “Tarifa de aviso automático. Que avisos são estes?”. Não se lembra de ter sido avisada de nada.

Tem sua pequena “fortuna” no mesmo banco há 35 anos, na poupança. Rende abaixo da inflação. Quando pediu orientação ao gerente recebeu uma “empurrada” de produtos que cumpririam as necessidades dele, não as suas, e desistiu.

Soma a aposentadoria com a pensão do marido morto, tudo minguado!  Lembra das pessoas que acham abusivo receber aposentadoria...”fiz tanto para merecer este benefício.” Pensão de pai falecido recebida pelo funcionalismo concorda que é abusiva, mas pensão de marido não! Nem pode prescindir deste valor.

Guarda na caixinha um extrato da conta cancelada pela manhã.  A conta só dava despesas. Foi pessoalmente ao banco, esperou 30 minutos para ser atendida. Motivo do fechamento? “Vocês demoram para atender”. Resposta da gerente constrangida: “Demorei para te atender né?!” Sente-se vingada, além de ter se livrado de tentativas de permanência.

Telefonia, uma pequena fortuna “mas o número fixo é antigo, toda a família e os amigos o conhecem”, justifica-se, buscando uma possível desvantagem para encerrá-la, embora o telefone raramente toque. Promete entre botões que pensará nisso e decidirá o que fazer depois. É um dos seus casos crônicos de procrastinação.

Contas, contas. Tem que ter também celular? Se fica em casa a maior parte do tempo porque não atender no fixo? E se está fora, precisa mesmo estar disponível? São estas as benesses da modernidade? Mais contas a pagar.

A TV tem que ser a cabo pois a imagem é ruim mesmo com antena. Os canais abertos nem pegam. O que estará acontecendo? Mercado da imposição? O pacote básico faz jus ao nome. Decidiu não ampliar seus canais, não justificam o preço dada a quantidade de tempo que vê televisão. Paga apenas para ter imagem decente. "Diferente de antigamente, era só subir no telhado e girar a antena". Ri da lembrança.

-- Imagem de qualidade não deveria ser obrigação da transmissora? Tenho que pagar a parte?

Cartas pedindo dinheiro para causas sociais. Crucifixo com seu nome como cortesia, pedindo contribuição. Fotos de crianças chorando famintas com números alarmantes de desnutrição e violência infantil. Terá que doar R$ 40,00 por mês para que o “pequeno Bruno tenha a chance de sobreviver” e outros famigerados tenham assistência digna.

-- Mas não é para isso que pago impostos?  Quase 50% de minha renda, e ainda tenho que pagar para ter os serviços elementares.

Continua o trecho da carta audaciosa: “Não temos o direito de negar o futuro a uma criança. Por isso, reagimos”,  E os meus direitos?  Pensa com revolta.
-- Reagem cobrando de quem paga impostos? Do trabalhador que deveria ter direitos garantidos?Não entendo essa lógica!

O preço da energia elétrica só aumenta, e ao consumi-la tem de pagar “adicional bandeira vermelha”. A lógica de mercado de um produto que é básico, mas não se pode consumir de acordo com a necessidade do cliente, é uma das coisas que a deixa pensativa. Tenta entender.

Carnê do convênio. Pago, e bem pago. Agora faliu! Pagou em dia para que em caso de precisão não tivesse que depender de assistência pública. Dançou!

Impulsionando o corpo leva a cadeira para frente, afasta todos aqueles documentos, papéis, extratos, cartas, revistas.

Impulsionando novamente o corpo leva a cadeira para trás, distanciando-se... Coloca os dois pés sobre a mesa, dobra os braços frente ao peito, olha para o teto, respira...

-- O que importa é o amanhã. A vida começa aos sessenta.