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quarta-feira, 13 de abril de 2016

O Arnesto que não mora no Brás

Amigos do Blog Feliz da Vida! Tem coisas que irritam não? Este post foi baseado numa história verídica. Espero que gostem da leitura.

Está nervoso. Duas vezes em menos de um mês. 25 de janeiro e carnaval. “É pra ficar nervoso.”

--- Não desconte nas pessoas, coitadas. Elas sofrem como todos nós. --- alertou a esposa. --- Se não estivesse tão gripada o acompanharia.

--- Não tinha que ser! --- conforma-se Arnesto, visivelmente irritado.

Pela segunda vez pede ao chefe para sair mais cedo da oficina, que fica próxima de sua casa. Está pedindo há duas semanas. Constrangido espera o melhor dia para se ausentar, e passam três dias... e oito ... e dezoito ... Como explicar que se ausentará do serviço para recorrer de uma multa? O mesmo motivo no mesmo mês, “parece mentira!”, pensa aflito.

--- De novo seu Arnesto!

--- Amanhã é o último dia, vai acabar o prazo!

--- Vai, vai, vai! --- responde o chefe gesticulando.

Sai apressadamente, olhando novamente o relógio, ainda com tempo de ouvir os gritos vindos do fundo da oficina:

--- Se der, volta pra acabar o trampo.

Documento do carro, a notificação, documento de identidade... confere a lista ao entrar no carro. Xerox de tudo... “Confere!”

Fecha os olhos e recorda da esposa, culpando-o --- Você relaxou, tem que ir hoje. -- “Se dependesse de mim já teria ido. Justo eu que não gosto de deixar nada para a última hora.”

Terá de atravessar a cidade. Nervoso, nem se lembra de parar para comer. Para piorar, chove. Rua do Manifesto. Av. D. Pedro I. Av. do Estado. Trânsito. Fumaça. Calor. Av. Aricanduva. “Muito feio este lugar!” Chuva. Claro que nem pensou em trazer o guarda-chuva. Novamente ouve a voz da Isaura:

--- Leva o guarda-chuva.

--- Não vai chover não!

Basta desobedecê-la que ouve sua voz como se de corpo presente, martelando em seu pensamento. “Foi praga!”

Desce nervoso. Corre com os documentos escondidos entre os braços fechados. Pisa numa poça. Xinga. Chega. Respira fundo para não descontar nos funcionários.

Gentilmente lhe indicam o balcão de informação. Lá, gentilmente lhe indicam o balcão onde deve ir.

Na fila do guichê olha para cima para evitar que um estranho puxe conversa. Quando nervoso, não está para papo furado. Sua vez. Gentilmente lhe entregam a lista dos documentos necessários. Conferem os que trouxe, falta a habilitação.

Sai da fila. Dirige-se ao balcão de informações onde gentilmente lhe indicam a loja onde tirar xerox.

Na volta vai direto ao guichê, sem esperar novamente na fila. Reconferem os documentos.

--- Tudo ok. Dirija-se ao guichê seis. --- indica gentilmente a atendente com sorriso plástico.

--- Preencha este formulário. --- indica o outro atendente, com sorriso igual.

“Merda! Esqueci a caneta!” Pensa cerrando os punhos com força e levando-o ao ar. Volta resoluto e ainda mais irritado à loja. Compra a caneta. Retorna ao posto do Detran e no balcão começa a preencher o formulário. “Ilustríssimo Sr. Diretor... ilustríssimo uma pinóia! Nem sei quem é! Só quer levar o meu dinheiro!”

A cada campo sente mais inconformado. “Para que copiar se irá tudo junto, xerocado?” Respira fundo e cerra os dois punhos. “Malditos!”

Último guichê. Confere-se os dados copiados e os documentos. Recebe outro formulário:

--- Neste aqui, apresente sua queixa.

Pergunta se deve escrever tudo. Que trafegou na faixa reservada ao transporte coletivo e foi fotografado pelo radar e autuado. Multa alta. Infração gravíssima. Mas isso foi no feriado!

Gentilmente o atendente lhe explica o que deve escrever: que os radares de São Paulo só foram programados para os feriados nacionais, não estando programados para o carnaval, e até mesmo para o aniversário da cidade. --- Há um erro no sistema do departamento de operações do sistema viário, e eles multam errado --- resume o atendente, como se isso fosse a coisa mais normal do mundo.

A revolta parece deixar Arnesto engasgado, --- Se sabem disso porque não consertam? Fazem eu perder meu tempo com um erro de vocês?

--- Nosso não senhor. --- Gentilmente responde o atendente. --- Erro deles. Aqui somos outro órgão. Se acalme, sou apenas um funcionário, não tenho culpa, estou querendo ajudar.

--- Desculpe. Mas vocês todos me irritam. Todos... os radares... a faixa reservada... seu prefeito... o Cunha... Renan... a Dilma... tudo... tudo!

Sem querer, falou muito alto. Olha em volta “será que alguém viu o vexame?” Pelo tamanho das filas as reclamações são muitas, pois são muitos os reclamantes, mas ninguém o olha, todos parecem preocupados com seus próprios dramas.

Volta ao balcão escrevendo no formulário tudo o que lhe foi instruído. Retorna ao guichê e entrega o documento. O atendente fita-o sorrindo automaticamente, de novo com aquela cara de plástico, e não perde a piada:

--- Está chovendo... vai demorar para chegar em sua casa no Brás, seu Arnesto. --- diz imitando o sotaque caipira do Adoniran quando pronuncia seu nome.

O velho não sorri. Seu coração está na boca. Poderia ter passado por tudo isso sem a piada boba de sempre. Fecha a cara e sai pisando duro, sem convidar ninguém para ir com ele. Agora está mesmo irritado.

segunda-feira, 4 de abril de 2016

A juventude - reflexão


Olá amigos do Blog Feliz da Vida!

O recente filme “A juventude” de Paolo Sorrentino, já considerado como um dos melhores do cinema europeu, aborda a questão do envelhecimento e seu preço, com “desencantado realismo” segundo os críticos.

Além de excelente fotografia - em um hotel nos Alpes Suiços - nos delicia com diálogos inteligentes e irônicos, que abordam das memórias do passado aos desafios do presente. Ao final das férias ao ser perguntado sobre o que haverá lá fora, responde o médico: juventude!

A cena final explode as emoções na linda música de David Lang “Simple song#3”, interpretada pela solista Sumi Jo, que concorreu ao Oscar este ano. 
O filme é uma homenagem à vida! Na sua esteira teço reflexão suscitada pela emoção despertada:

Escapa a vida entre os dedos em velocidade que impede sua retenção, fugidia.

Ainda ontem era cinquenta, já fora trinta, agora setenta. Para noventa, cem, será um pulinho, a julgar pela rápida passagem das idades anteriores.

Sonhos alterados a cada década. Mais são os esquecidos que os alcançados. Poucos desejados com a ardência que os fazem se cumprir.

Grande parte, materialista: aos dezoito um carro, aos vinte e quatro seu próprio apartamento, aos trinta um barco na sua recém adquirida casa de praia.

Uma parte menor, existencialista: um marido, de preferência rico, dois filhos, por sorte, um casal. E lindos!

Entre eles a faculdade: veterinária, ou dentista, ou advogada, difícil escolher!

Tudo recheado com muitas possibilidades de emoções: viajar muito nas férias, conhecer o mundo, falar diversas línguas...

E quando se aposentar? Viver para viajar! E curtir os netos. Muitos! Casa cheia de uma família feliz!

Quanto custará em termos financeiros? E em termos cronológicos, quanto tempo investido para cada etapa? Com relação ao planejamento, como fazer para chegar lá? Não! Não! Apenas o objetivo em si, autoconcretizável.

Já aos trinta a vida se encarrega de apagar os sonhos, aos cinquenta a realidade começa a doer, aos setenta pesa cada amanhecer. O que será dos noventa?

Deve-se esperar por eles ou será melhor não sonhar em os alcançar?
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Você poderá ouvir a música interpretada pela Sumi Jo no link: Simple song-vídeo